21.1.07

JECRIM - Defesa preliminar - Queixa Crime - Inépcia


EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DO ___ JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL

Processo n.º 34243287/327



FULANINHO DA SILVA, já qualificado nos autos do processo em epígrafe, vem, por intermédio de seu advogado apresentar:
DEFESA PRELIMINAR

a fim de expor e, ao final, requerer o que se segue:

DA DECADÊNCIA
A confusa narrativa do Querelante pelo menos foi capaz de precisar a data em que o suposto fato criminoso teria ocorrido, questão prévia fundamental para o processamento da ação penal privada, uma vez que marca o dies a quo do prazo decadencial previsto no art. 38 do CPP, a saber, o dia 01/12/2002.
A péssima qualidade da peça inaugural será objeto de consideração a seguir. Porém, é indiscutível que o Querelante perdeu o direito de ajuizar a ação penal privada visto que:
  • em 29/05/2003, protocolou a inicial de sua queixa-crime, quando faltavam apenas 3 dias para a data limite final – 01/06/2003 – para que o seu direito restasse fulminado pela decadência (fls. 27/29).
  • Indiscutivelmente inepta a peça, por falta de requisitos formais determinados no CPP, o MP, ao invés de requerer o arquivamento da queixa, opinou pela intimação do Querelante para que emendasse a inaugural, isto já em 03/06/2003, quando ultrapassado o dies ad quem do prazo decadencial (fl. 30).
  • O Querelante atendeu à requisição ministerial, somente em 24 de junho de 2003 (fl. 31).
  • Curiosamente, novamente o MP opinou pela emenda da inicial, visto que o julgamento do crime de dano qualificado, reclamado naquela peça, fugia à competência do JECrim, isto já em 04/07/03, sendo atendida a promoção ministerial à fl. 34, em 22/07/03, quando então, em 28/07/03 (fl. 35) entendeu o órgão ministerial que a queixa-crime atendia os requisitos legais para o seu processamento e julgamento!

Ora, restou evidente que o semestre legal foi superado. O prazo decadencial não é passível de suspensão nem tampouco de interrupção. Se a queixa-crime não atendia aos requisitos mínimos legais na data de sua interposição seu destino deveria ser a decretação de sua inépcia e a extinção sem julgamento da queixa-crime, não havendo qualquer tipo de prorrogação do prazo para emenda, sob pena de se dilatar o prazo decadencial contra legem!

Nestes termos já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

Processo Penal. Ação Penal de iniciativa privada. Inépcia. Princípios de correlação e de ampla defesa. Impossibilidade do aditamento diante da ocorrência da decadência. Extinção da punibilidade. 1. Diante do princípio da ampla defesa, especialmente na ação penal de iniciativa privada, exige-se o princípio da correlação, sendo inepta a inicial que descreva os fatos imputados de forma confusa, deixa de realizar a correspondente adequação ainda olvida os pedidos de citação e condenação do apontado querelado. 2. Se operada a decadência, perde sentido o aditamento da queixa, decretando-se a extinção da punibilidade. (RECURSO EM SENTIDO ESTRITO; Processo: 2001.051.00632; Data de Registro: 23/07/2003; Órgão Julgador: Terceira Câmara Criminal; Des. ALVARO MAYRINK DA COSTA; julgado em 15/04/2003).

No mesmo diapasão é o entendimento colhido no Superior Tribunal de Justiça:

RHC - QUEIXA-CRIME - DECADÊNCIA - PRAZO DE 06 (SEIS) MESES - CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE. - O art. 103 do Código Penal fixa o prazo de seis meses para o oferecimento de queixa ou representação nos crimes de ação pública condicionada e nos crimes de ação privada, fazendo a ressalva de que, decorrido esse tempo, "o ofendido decai do direito". - A decadência é a extinção do direito de oferecer a queixa pelo ofendido ou seu representante legal; ocorre quando flui in albis o prazo de seis meses concedido ex lege para o seu exercício, o qual deve ser contado da data do conhecimento do fato punível. - Exsurge incontroverso que o v. acórdão equivocou-se ao não examinar tal questão, sob o argumento de que suprimiria instância. De fato, causa extintiva de punibilidade é circunstância reconhecível a qualquer tempo. - Recurso conhecido e provido para determinar o trancamento da ação penal. (RHC 8841/BA; 1999/0066025-0; Relator: Min. JORGE SCARTEZZINI; Órgão Julgador: Quinta Turma; Data da Decisão 07/12/1999).

Logo, é forçoso o reconhecimento da extinção da punibilidade do Querelado pela prescrição da pretensão punitiva, com fulcro no art. 107, IV do CP, em decorrência da decadência, sendo rejeitada a queixa-crime.

DA INÉPCIA DA QUEIXA CRIME

Apesar das diversas petições atravessadas no feito, o Querelante não logrou êxito em apresentar queixa-crime - inicial das ações penais de iniciativa privada - obediente aos ditames do art. 41 do CPP, tendo apresentado e reapresentado, a todo momento peças ineptas, obrigando o Ministério Público a requer por inúmeras vezes a retificação e aditamento das peças.

Note-se, contudo, que mesmo após as requisições ministeriais, a inépcia jamais foi sanada, visto que sequer se encontra o (imperioso) pedido (condenatório) nas mesmas, limitando-se o Querelante a requerer (fl. 29):

"que V. Exa. receba a presente queixa e ouvido o Ministério Público, mande citar o querelado para o processo, nos termos do artigo 539 do Código de Processo Penal, para final condenação".

Ora, como leciona MIRABETE:

"Do princípio da iniciativa das partes decorre como conseqüência que o juiz, ao decidir a causa, deve cingir-se aos limites do pedido do autor (MP ou ofendido) e das exceções deduzidas pela outra parte (réu), não julgando sobre o que não foi solicitado pelo autor (ne eat judex ultra petita partium) (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2000, p. 49).

Assim, não poderá o juízo proferir sentença condenatória no caso em epígrafe por simples falta de pedido condenatório específico.

Note-se que, prosseguindo a ação penal privada apenas pelos supostos crimes contra a honra, como registrado na promoção ministerial de fl. 33, o Querelante foi intimado para mais uma vez emendar a inicial, agora para descrever as agressões contra a sua honra.

Curiosamente, além de não descrever os fatos criminosos supostamente cometidos pelo querelado, passou ele, Querelante, a proferir uma série de impropérios contra o Querelado (fl. 34):

"moleque, canalha e mau caráter".

Logo, outra alternativa jurídica não há senão o não recebimento da queixa-crime, com a decretação da inépcia da peça inaugural, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS-CORPUS. - Merece trancada a ação penal quando do motivo da denúncia não ressai o pretenso crime contra a honra. - Ordem concedida. (HC 18309/SP; HABEAS CORPUS 2001/0103967-5; Relator: Min. FONTES DE ALENCAR; Órgão Julgador: SEXTA TURMA; Data da Decisão: 18/12/2001).

Também o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro assim decidiu:

QUEIXA-CRIME. CRIMES CONTRA A HONRA. PRELIMINAR DE INÉPCIA POR IMPRECISÃO NA NARRATIVA DOS FATOS: NÃO ACOLHIMENTO. CRIMES NÃO CARACTERIZADOS. REJEIÇÃO. Se a queixa descreve os fatos e delimita a acusação, mostra-se formalmente apta, pois permite exerça o querelado seu direito de defesa. Se do exame das imputações contidas na inicial deflui, sem maior esforço, não se caracterizar a prática dos crimes de calúnia, injúria ou difamação, deve a queixa ser rejeitada. Rejeição. (QUEIXA-CRIME; Processo: 2002.067.00006; Data de Registro: 20/05/2003; Órgão Julgador: SEÇÃO CRIMINAL; DES. SILVIO TEIXEIRA; Julgado em 12/02/2003).

Recurso em sentido estrito. Delitos de calunia, difamação e injuria. Decisão que rejeitou, liminarmente, a queixa. Se a inicial da queixa não descreve fatos que configurem a realização dos tipos dos arts. 138, 139 e 140 do C. Penal, desatendendo ao que dispõe o art. 41 do C. de Processo Penal, havia que ser rejeitada. Recurso improvido. (RECURSO EM SENTIDO ESTRITO; Processo: 2001.051.00244; Data de Registro: 25/03/2002; Folhas: 1815/1820; Órgão Julgador: SEXTA CAMARA CRIMINAL; DES. SALIM JOSE CHALUB; Julgado em 06/11/2001).

Tampouco trouxe o Querelante um mínimo de suporte probatório para que fosse evidenciado o fumus boni iuris, não havendo colacionado sequer testemunhas das acusações imputadas ao Querelado, já que a sempre mencionada testemunha LUCÍDIO GOUVEIA RIBEIRO nega peremptoriamente os fatos alegados pelo Querelante, como se nota, por exemplo, de fl. 07 destes autos. Desta forma, não restou demonstrada a justa causa para a propositura da ação penal, valendo aqui a lição de GERALDO PRADO:

"O exercício de ação penal condenatória afeta sempre o status do acusado perante a sociedade. Por isso, a acusação não poderá ser leviana ou temerária e deverá estar fundada em elementos de convicção que permitam admitir como provável a responsabilidade penal do réu pelo fato que lhe está sendo atribuído. Cuida-se da justa causa para a ação penal, deduzida doas artigos 647 e 648, inciso I, ambos do Código de Processo Penal e artigo 44, §1º, da Lei n.º 5.250/67." (PRADO, Geraldo Luiz Mascarenhas. Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Comentada e Anotada, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002, p. 270).

Desta forma, sendo a queixa-crime apresentada inepta, deverá a mesma ser rejeitada por este juízo.

AINDA A INÉPCIA: A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

Por ser inepta a queixa-crime apresentada pela querelante, não narrando o suposto fato criminoso cometido pelo querelado, bem como não tipificando o delito ou mesmo por não conter pedido condenatório, deve ser rejeitada a mesma sob pena de ofensa ao princípio do contraditório. Afinal, como poderá o querelado defender-se sem saber do que esta sendo acusado?

Segundo leciona J. CANUTO MENDES DE ALMEIDA:

"A verdade atingida pela justiça pública não pode e não deve valer em juízo sem que haja a oportunidade de defesa ao indiciado. É preciso que seja o julgamento precedido de atos inequívocos de comunicação ao réu: de que vai ser acusado; dos termos precisos dessa acusação; de seus fundamentos de fato (provas) e de direito." (ALMEIDA, J. Canuto Mendes apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 2000, p. 43).

Conforme a Súmula n.º 60 das "Mesas de Processo Penal" da Faculdade de Direito da USP, presidida pela Profª. ADA PELEGRINI GRINOVER, o contraditório compreende, portanto, as alegações e arrazoados das partes.

Assim, em homenagem ao princípio constitucional do contraditório, previsto no art. 5º, LV da Carta da República, que visa assegurar a ampla defesa do acusado, deve ser rejeitada a queixa-crime por este juízo sob pena de nulidade processual.

A FALTA DE PROPOSTA DE TRANSAÇÃO PENAL COMO OBSTÁCULO AO RECEBIMENTO DA QUEIXA

Embora haja certidão informando, à fl. 36, que as partes não foram beneficiadas pela Lei 9.099/95, ao opinar, equivocadamente, pelo prosseguimento do feito, o Ministério Público quedou-se inerte quanto ao oferecimento de transação penal ao Querelado, havendo sido designada a AIJ sem que fosse dada oportunidade ao Autor do Fato de aceitar ou não o benefício legal, cuja proposição - ou a recusa justificada em fazê-lo – é obrigatória para o MP, ferindo o disposto no art. 76, §§ 3º, 4º e 5º da Lei 9.099/95.

DO PEDIDO

Em conclusão e por todo o exposto, requer à V. Exa.:

O não recebimento da queixa-crime em razão das preliminares argüidas, sendo declarada extinta a punibilidade do Querelado.

Acaso superadas todas as preliminares, o retorno dos autos ao MP para que ofereça a transação penal ao Querelado.

Se assim não proceder o MP, e for recebida a queixa-crime, o que só se admite por amor ao debate, a absolvição do Querelado por não haver cometido quaisquer das condutas imputadas.

A condenação do Querelante em custas e honorários advocatícios.


Termos em que,
Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 08 de março de 2004.

Advogado

OAB n.º

Autora: Beatriz Lins

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