21.1.07

Recurso inominado - otica - exame de vista - dano moral


EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DO _____ JUIZADO ESPECIAL CÍVEL

Processo n.º 43534/5443

ZÉ DAS COUVES e MARIAZINHA DOS RABANETES, ambos já qualificados nos autos da AÇÃO INDENIZATÓRIA que movem em face de CAXIAS ÓTICA ALVORADA LTDA., vêm, respeitosamente, por intermédio de seu advogado, inconformados com r. Sentença de fls. 44, interpor

R E C U R S O I N O M I N A D O
com fulcro nos artigos 41 e seguintes da Lei 9099/95, requerendo o processamento das mesmas, a fim de serem submetidas à apreciação da Colenda Turma Recursal.
Nestes termos,
Pede deferimento.

Rio de Janeiro, 07 de novembro de 2003.


Advogado
OAB n.º
________________________________________

RAZÕES RECURSAIS

1º Recorrente: ZÉ DAS COUVES
2º Recorrente: MARIAZINHA DOS RABANETES
Recorrido: CAXIAS ÓTICA ALVORADA LTDA.

EGRÉGIO COLÉGIO RECURSAL
A r. Sentença ora guerreada que afastou o pedido de indenização por danos morais merece reforma, vez que contrária às provas dos autos.

P R O Ê M I O
Trata-se de relação de consumo na qual foram lesados os Recorrentes pela empresa Recorrida que, no afã de vender seus produtos, ofereceu exame de vista gratuito aos Recorrentes, tendo-lhes prescrito óculos dos quais não necessitavam.
O MM. Dr. Juiz a quo prolatou sentença declarando rescindido o contrato de compra e venda entre as partes e condenando a Recorrida a pagar aos Recorrentes o valor de R$ 600,00 a título de indenização por danos morais, devidamente atualizada até a data do efetivo pagamento, acrescida de juros legais.
O valor da indenização, entretanto, não condiz com a extensão dos danos impostos aos Recorrentes, devendo a r. Sentença ser reformada a fim de se majorar tal verba.

D O E X A M E D E V I S T A
A conduta da Recorrida no caso em tela, além de severamente danosa para os Recorrentes é completamente ilegal, eis que há vedação em nosso ordenamento jurídico para que óticas forneçam exames de vista, assim dispondo o Decreto n.º 24.492, de 28 de junho de 1934:
Artigo 16 - O estabelecimento comercial de venda de lentes de grau não pode ter consultório médico, em qualquer de seus compartimentos ou dependências, não sendo permitido ao médico sua instalação em lugar de acesso obrigatório pelo estabelecimento.
§ 1º - É vedado ao estabelecimento comercial manter consultório médico mesmo fora das suas dependências; indicar médico oculista que dê aos seus recomendados vantagens não concedidas aos demais clientes e a distribuir cartões ou vales que dêem direito a consultas gratuitas, remuneradas ou com redução de preço.
§ 2º - É proibido aos médicos oftalmologistas, seja por que processo for, indicar determinado estabelecimento de venda de lentes de grau para o aviamento de suas prescrições.
Artigo 17 - É proibida a existência de câmara escura no estabelecimento de venda de lentes de grau, bem assim ter em pleno funcionamento aparelhos próprios para o exame dos olhos, cartazes e anúncios com oferecimento de exame da vista.
Assim, não poderia jamais a empresa Recorrida haver fornecido exame de vista aos Recorrentes, quanto mais, indicando-lhe lentes e óculos errados e completamente desnecessários, apenas objetivando o lucro fácil.
Neste mesmo sentido é o Decreto n.º 20.931, de 11 de janeiro de 1932:
Artigo 39 - É vedado às casas de óptica confeccionar e vender lentes de grau sem prescrição médica, bem como instalar consultórios médicos nas dependências dos seus estabelecimentos.
Pacifico é o entendimento de nossos Tribunais em relação a matéria:
Ação cominatória. Manutenção de aparelhos próprios para o exame de vista em estabelecimento que explora a venda de lentes de grau. É vedada a manutenção de camara-escura no estabelecimento de venda de lentes de grau, bem assim ter em pleno funcionamento aparelhos próprios para o exame da vista, nos termos do art.17 do decreto n.24492, de 28.06.34. Exame optometrico, diagnostico oftalmológico e receita de formulas ópticas. Atos privativos do medico. Inteligência do art.14 do decreto n.24492, de 28 de junho de 1934. O exame optometrico, o diagnostico oftalmológico e a receita de formulas ópticas, constituem atos privativos do medico. Astreinte. Valor. Arbitramento. Capacidade de resistência do devedor. Eficácia como meio coercitivo para cumprimento da sentença condenatória de obrigação de fazer ou não fazer. A eficácia da "astreinte", como instrumento de pressão, para cumprimento de sentença condenatória de obrigação de fazer ou não fazer, esta diretamente relacionada a compatibilizarão de seu valor com a capacidade de resistência do réu. Busca e apreensão de objetos. Medida proveniente do processo penal. Lacuna legislativa quanto a restituição, que se resolve por aplicação analógica das regras do processo criminal. A omissão legislativa, quanto ao destino das coisas apreendidas em medida cautelar preparatória civil, resolve-se por aplicação analógica das normas do processo penal, do qual provem. Sentença parcialmente reformada. (10fls.) (Apelação cível nº 598337111, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mara Larsen Chechi, Julgado em 22/09/1999)
Restou claro, pelo exposto, que utilizou-se a Recorrida de pratica abusiva prevalecendo-se da fraqueza e da ignorância dos Recorrentes, tendo em vista sua falta de conhecimento, para impingir-lhe seus produtos, ferindo o disposto no art. 39, IV do CDC:
Artigo 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
...........omissis..............
IV- prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
...........omissis..............
A realização do exame em suas dependências não é negado pelo Recorrido que afirma tão somente que impugna "o laudo apresentado pelos Autores, uma vez que apresenta diagnóstico diferenciado ao da feitura dos óculos, o que poderá ocorrer por fatores como lapso de tempo entre um e outro laudo".
Ora, o exame realizado na ótica Recorrida ocorreu em 7 de junho de 2002 e o exame realizado pelos Recorrentes no SUS se deu em 3 de julho de 2002, ou seja, menos de um mês depois, sendo inconcebível que possam apresentar resultados completamente diversos.
Desta forma, notória é a má-fé da ótica Recorrida que faz exames de vista tendenciosos em seus consumidores a fim de impingir-lhes seus produtos, ou, ainda, na melhor das hipóteses, a sua incompetência para fornecer os diagnósticos. De qualquer maneira, como já explicitado anteriormente, jamais poderia uma ótica fornecer exames de vista, ou mesmo instalar consultório médico em suas dependências.
Vale ressaltar que não foi juntado aos autos nem mesmo comprovante de que a pessoa que trabalha na ótica e receitou as lentes para os Recorrentes seja realmente médico!

D O S D A N O S C A U S A D O S A O S R E C O R R E N T E S
A conduta da empresa Recorrida causou severos transtornos aos Recorrentes, que foram obrigados a comprar produtos dos quais não necessitavam e que lhes causaram grande incomodo, tais quais dores de cabeça, tontura, olhos pesados, dificuldade de visão e sensação de areia nos olhos, o que os fazia lagrimejar excessivamente.
Cumpre dizer que retornaram os Recorrentes ao estabelecimento da Recorrida tendo comunicado todos os incômodos pelos quais estavam passando em razão das lentes adquiridas, tendo os vendedores considerado tais sintomas normais, e, face a insistência da segunda Recorrente encaminhado esta novamente ao oftalmologista que trabalha nas dependências da Recorrida, tendo este afirmado não haver qualquer problema, devendo continuar a Recorrente utilizando os óculos.
Tal situação reflete o completo desrespeito pelos quais passam os consumidores das óticas que, gananciosas, buscando o lucro a qualquer custo, desobedecem a lei, fornecendo diagnósticos falsos a fim de obrigar o consumidor a pagar por produtos que não necessitam, adquirir óculos e lentes capazes muitas vezes até de danificar-lhes a visão.
Assim, viram-se obrigados os Recorrentes, pessoas de parcos recursos, a se socorrerem do serviço médico oftalmológico do SUS, para verificarem se havia algum problema com suas lentes, e, qual não foi a surpresa dos Recorrentes ao descobrirem que haviam sido lesados, astuciosamente enganados pela Recorrida, que na realidade, o primeiro Recorrente necessitava tão somente de um par de óculos meia-taça (1,50) para leitura, enxergando perfeitamente de longe, não tendo de usar lentes multifocais, conforme prescrito pelo oftalmologista da Recorrida.
Já a segunda Recorrente segunda a médica do SUS, apresentava visão normal, sendo desnecessário o uso de qualquer lente corretiva, ao contrário do que informara a Recorrida que prescreveu-lhe lentes foto.
Mister destacar que, mesmo de posse dos atestados médicos que comprovavam que os Recorrentes não necessitavam dos óculos vendidos, negou-se a Recorrida a desfazer a compra e venda sob a alegação de que para a rescisão do contrato se faria necessário uma causa mais justa.
Ora, que causa mais justa do que terem os Recorrentes sido ardilosamente ludibriados pela Recorrida? Absurda a alegação da Recorrida!
Como se não bastasse após haver realizado reclamação justo ao PROCON, passaram os Recorrentes a receber ligações da empresa Recorrida exigindo as notas fiscais dos óculos que estavam em poder dos Recorrentes e ameaçando-os de negativar seus nomes em cadastros restritivos de crédito.
Assim, além de todos os transtornos físicos que causou a Recorrida aos Recorrentes, estes também sofreram grande transtorno, angustia, sentimento de impotência, preocupação, que não sendo considerados meros dissabores, constituem o dano moral.
D O S D A N O S M O R A I S
Não pode ser considerado normal nem razoável todo o percalço imposto injustamente aos Recorrentes.
A atitude da desrespeitosa e irresponsável da Recorrida causou à Recorrente forte insatisfação, frustração, angústia, perturbações, estados de espíritos estes que, não sendo considerados meros dissabores, constituem o dano moral.
Neste sentido leciona Yussef Cahali afirmando serem distinguíveis no âmbito dos danos, duas categorias: os danos patrimoniais, de um lado, consistindo no prejuízo econômico; e os danos extrapatrimoniais de outro, representados pelo sofrimento psíquico ou moral, as dores, as angústias e as frustrações inflingidas ao ofendido. (Dano moral, p. 19.)
Não difere deste entendimento Ronald A. Sharp Junior:
Configuram danos morais a violação de direitos da personalidade, como sofrimento psíquico, perturbação às relações anímicas, à esfera ética ou ideal do indivíduo, às suas afeições, atentado à segurança, à tranqüilidade de espírito, à paz interior, aos valores internos, inflição de aborrecimentos, incômodos, transtornos, pânico, desconforto, desgostos, mal-estar, sentimentos de impotência, susto, emoção, espanto, dor, constrangimento, angústia, humilhação, mágoa, e tristeza causadas injustamente a uma pessoa, sem qualquer repercussão patrimonial. (Dano moral, p.5)
Qualquer pessoa que se encontrasse no lugar dos Recorrentes à mercê dos desmandos da Recorrida teria sofrido fortes danos morais, que devem ser ressarcidos por ser medida de direito e justiça.

D A P R O V A D O D A N O M O R A L
Silvio de Salvo Venosa salienta: "A razão da indenização do dano moral reside no próprio ato ilícito". (Direito civil – Responsabilidade civil, p. 35). Ou seja, provado o evento danoso apto a causar dano ao patrimônio imaterial da pessoa, provado estará o dano moral e sua reparabilidade.
Neste mesmo sentido José de Aguiar Dias assevera que o dano moral é conseqüência irrecusável do fato danoso, e este o prova per se. (Da responsabilidade civil. p. 226.).
Demonstrados estão os diversos fatos danosos impingidos injustamente aos Recorrente, não mais há que se falar em prova do dano moral sofrido.

D O V A L O R D A I N D E N I Z A Ç Ã O
Deve-se, primeiramente, atentar para a função social da reparação moral, que deve abranger três causas: a compensação de perda ou dano derivado de uma conduta; a imputabilidade desse prejuízo a quem, por direito, o causou; e a prevenção contra futuras perdas e danos.
Possui a indenização caráter punitivo-educativo-repressor, não apenas reparando o dano moral, repondo o patrimônio abalado, mas também atua de forma intimidativa para impedir perdas e danos futuros.
E, na hipótese de lesão, dano, não é somente a patrimônio, quer moral ou material, do ofendido que resta abalado, mas o próprio direito, a lei é ofendida. Deixar de reparar de forma primorosa e exemplar a ofensa é a maior das ofensas que poderia ser imposta ao lesado e à própria idéia de Justiça.
Diante do exposto fácil concluir que a indenização por dano moral não deve ser adstrita a idéia de compensação à vítima pela ofensa impingida, devendo ser analisados por nossos pretores a extensão do dano, a situação patrimonial e a imagem do lesado, a situação patrimonial do ofensor e sua intenção.
Assim estará cumprindo o Direito o seu papel, fazendo com que os entes que interagem no orbe jurídico se mantenham dentro de padrões normais de equilíbrio e respeito mútuo, cabendo ao lesionante suportar as conseqüências da lesão com o exaurimento de seu patrimônio, desestimulando futuros atos danosos.
Desta forma, o arbitramento de uma indenização é totalmente condizente com a realidade dos fatos e, além de servir de lenitivo para o Recorrente, cumpre sua função punitivo-pedagógica.
Em conclusão e por todo o exposto, requer:
Seja reformada a r. Sentença guerreada a fim de:
1. condenar a Recorrida a indenizar aos Recorrentes no equivalente a 40 salários mínimos, a título de danos morais, pelos danos injustamente impingidos a estes, como medida de direito e de Justiça;
2. condenar a Recorrida em custas e honorários advocatícios.
Rio de Janeiro, 07 de novembro de 2003.



Advogado
OAB n.º
Autora: Beatriz Lins

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